É madrugada e chove muito. Com certeza fui acordado pelo barulho da chuva. Engraçado, pensei começar esta crônica dizendo que chovia torrencialmente, mas torrencialmente já está tão batido, tão gasto... Como as coisas se vulgarizam, até mesmo as palavras se banalizam. E isto me leva à conclusão de que a única coisa realmente importante que existe nesta vida é o sentimento que se tem no coração. Tudo o mais é de pouca importância frente ao sentimento.
Imagine comigo, vamos imaginar.
Quando
estamos com o coração cheio de amor o que importa um guarda roupa
completo ou apenas um surrado jeans pendurado num cordão que se segura
em dois pregos enferrujados?
E que diferença faz se o almoço foi uma
pescada ao molho de camarão ou uma banana com farinha?
Nada disto conta
quando se está sonhando mais do que milhões de corações que vibram
juntos, com total intensidade.
Se a madrugada é chuvosa ou calorenta? A
madrugada neste momento será sempre linda, cheia de encantos, de
poesias..
Por
que estou a lhe dizer tudo isto? Talvez para me convencer
definitivamente da efemeridade de quase tudo, inclusive da vida, menos
dos sentimentos. Não, não são os diamantes que são eternos. Apenas os
sentimentos são eternos. Não vou dizer verdadeiros, pois não consigo
conceber um sentimento falso. Se for falso, não é sentimento, é teatro.
Agora
eu estou a rir. Um riso triste, mas um riso. Imagino a sua cara de
espanto. Se dúvida havia quanto à minha lucidez, acabou-se. Agora está
presente a certeza da minha insensatez. Certo?...
Pela
janela começam a entrar os primeiros raios de sol que vão tornando
claro o quarto escuro da casa vazia. Na palmeira que daqui avisto,
pássaros cantam alegremente saudando o dia que chega. Interessante, os
pássaros vivem a cantar. Devem ser felizes, muito felizes. Ninguém nunca
viu um pássaro chorando, nem imaginar um pássaro chorando alguém
consegue. Por que só nós, seres racionais, vivemos a chorar, a se
lamuriar?
Parei
por alguns minutos e li o que acabei de escrever. Descobri enfim porque
certos intelectuais publicam livros deixando algumas páginas em branco.
Tenho certeza de que eles leem o que escrevem... Tá rindo? Eu também.
Falando
em livro, se não gostar do romance MARANHÃO, faça-me um favor.
Numa
destas noites de lua cheia, quando a noite de Mossoró fica mais linda
ainda, ao passar pela Ponte do Rio Mossoró, jogue o calhamaço, página
por página, dentro do rio. E as folhas sendo levadas pelo vento irão
caindo lentamente para mergulhar nas águas que refletem o mais belo luar
que algum mortal sonhou ver, luar que eu tive um dia a felicidade de
quando ainda menino com ele embevecer-me e por toda uma noite, uma noite
todinha, extasiar-me.
Qualquer
dia, quando a saudade vencer a minha preguiça descomunal, eu vou caminhar na madrugada calorenta desta cidade tão linda e tão maltratada por quem diz que a ama. Talvez até suba na grande árvore que existe perto
do Colégio Diocesano e, se tiver sorte, ouvir as estórias
fantásticas que só esta gente de Mossoró, gente que tão bem vive as emoções,
sabe contar. E que conta com uma simplicidade só encontrável nos que
conseguem realmente entender as verdades da vida.
A luz do sol se faz mais forte e termina trazendo-me de volta à
realidade, quebrando todo o encanto. Daqui a pouco é hora de ir pagar
contas, xi, acabou-se o encanto totalmente.
A fada madrinha fugiu pela
janela, volte minha fada, volte...
Inácio Augusto de Almeida
Boêmio
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